Sindemia: o que é isso?

O conceito de Sindemia ressurgiu em 2017, a partir de um artigo publicado na prestigiada revista The Lancet, onde a autora Emily Mendenhall apresentou de forma pioneira esse novo modo de analisar as patologias, suas comorbidades e multimorbidades, associados aos seus fatores sociais, políticos e ecológicos. De acordo com ela, “o centro da ideia de Sindemia tem alguns núcleos: ela envolve o agrupamento de duas ou mais doenças numa população, a interação biológica, social e psicológica dessas doenças e as forças sociais que favorecem o agrupamento dessas patologias em primeiro plano.

Essa teoria auxilia o entendimento de como populações específicas, afetadas pela pobreza, exclusão social, violência de gênero, mudanças climáticas, deslocamentos por poluição industrial ou agrícola ou outros traumas sociais estão mais expostas, o que demanda atenção médica/clínica alinhadas a políticas sociais de modo a diminuir as desigualdades e pressupõe um sistema de saúde acessível à população mais vulnerável. Com base nisso, os sistemas de saúde do futuro, se esse constructo de Sindemia for adotado, idealmente deverão aliar o cuidado médico e bem estar ao paciente integral, considerando também as causas sociais e estruturais que envolvem sua história, mais do que tratar uma doença isoladamente (Mendenhall, 2017).

Nesse contexto, um pesquisador recentemente argumentou que a COVID-19 poderia ser considerada uma sindemia, já que ele considera que há duas condições patológicas que se agrupam, no caso a infecção por SARS-COV-2 e as doenças não transmissíveis. Entretanto, a forma como a COVID-19 se associa a patologias como hipertensão, obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, doenças respiratórias crônicas e câncer, seria distinta em determinados estratos sociais, de acordo com padrões de desigualdade, os quais demandariam ações governamentais e programas que visassem reduzir a disparidade, além das ações médicas esperadas (Horton, 2020).

Contudo, essa opinião não é uma unanimidade, já que, de acordo com Mendenhall (2020), a COVID-19 não pode ser vista como uma sindemia, pois a forma como determinados países estão lidando com essas questões é distinta e, portanto, não seria global, o que é um ponto fundamental dentro desse constructo. Assim, em países com marcadas diferenças sociais, onde a população mais vulnerável tem pouco acesso à saúde, mais comorbidades, racismo estrutural, falhas de lideranças políticas, falta de consenso e descrença na ciência, parece haver diferenças marcantes na mortalidade por COVID em vários grupos sociais, e isso pode estar acontecendo no nosso país, inclusive. Mendenhall cita o caso dos Estados Unidos, da Nova Zelândia e dos países subsaarianos como exemplo de diferentes panoramas. Ainda hoje, a imprensa brasileira noticiou um artigo mostrando como a questão política parece influenciar no curso da doença usando como exemplo os fatores descritos anteriormente.

Ainda assim, felizmente, alcançamos um período muito importante no Brasil esses últimos dois dias com o advento do início da vacinação contra a COVID-19. Isso ilustra que a Ciência está mostrando a que veio, que o SUS é forte e extremamente necessário, ainda que tenham tantos ajustes a serem feitos e que o negacionismo, oxalá, estará com os dias contados. Viva a Ciência, viva o SUS, viva a vacina!

Obrigada e até a próxima!

FONTES

Mendenhall, E. 2017, The Lancet, DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)30602-5

Horton, R. The Lancet, vol 396, September 26, 2020

Mendenhall, 2020, The Lancet, vol 396, Novembro 28, 2020