Interação entre epigenética, nutrição e câncer

Gostaria de comentar aqui um texto que fala um pouco sobre a nutrição e o câncer. Os temas passados ficaram mais focados na questão dos benefícios do exercício físico aos pacientes em tratamento. Dessa vez, eu, como nutricionista, vou literalmente “puxar a sardinha para o meu lado”.

Vamos lá! Um texto muito interessante da renomada pesquisadora Karen Bishop aponta que a nutrição pode ter papel importante sobre algumas mudanças genéticas que as nossas células podem sofrer. Imagine que nossos genes estão contidos em nosso genoma (informação hereditária que está codificada em nosso DNA) e que esse genoma tenha uma dinâmica própria de funcionamento, com proteínas que ligam e desligam esses genes, não sofrem herança mendeliana e são acionadas por fatores ambientais. Esse é epigenoma.

O epigenoma é susceptível a mudanças que podem ser causadas por fatores nutricionais. Por exemplo, excesso de consumo de calorias poderia, segundo essa autora, aumentar a proliferação celular descontrolada, o que é um dos marcos do câncer. Assim, alguns compostos dietéticos que resultam em redução do consumo de calorias talvez tivessem algum papel na prevenção do câncer. Alguns alimentos ou nutrientes parecem ter efeitos sobre as mudanças indesejáveis que podem ocorrer no DNA e causar câncer. Entre eles, a autora aponta os seguintes:

Folato: doador de 1 carbono, essencial para síntese de DNA e proteínas. O folato é obtido da dieta, convertido em metilenotetraidrofolato, que converte homocisteína em cisteína e doa grupos metil para a síntese do DNA. Pouco folato resulta em metilação aberrante de alguns genes promotores de câncer. Fatores que reduzem a disponibilidade de folato em algumas pessoas predispostas (ex: álcool) podem reduzir sua concentração, ativando esses oncogenes.

Polifenóis: agem como antioxidantes, ou seja, neutralizando a formação de espécies reativas de oxigênio. Esses compostos estão presentes no chá verde, café, vinho tinto, soja, legumes, frutas, etc. O chá verde contém polifenóis capazes de inibir a invasão tumoral e angiogênese (formação de novos vasos sanguíneos) num tipo de câncer de pele de camundongo. O resveratrol tem a propriedade de inativar alguns micro-RNAS de tumor, e especificamente em alguns oncogenes sem, no entanto, exercer esse efeito em genes convencionais. O ácido caféico reduz a biodisponibilidade de s-adenosil-metionina, que é um doador universal de grupos metil, resultando em menor metilação de genes. Alguns grupos populacionais com alto consumo de café apresentaram menor risco de recorrência de câncer de próstata.

A genisteína da soja se liga ao receptor de estrógeno das células e é exemplo de outro polifenol que pode inibir o crescimento de tumor estrógeno-negativo, ou seja, daquele tumor dependente de estrógeno. Para os tumores estrógeno-positivos, sobretudo naquelas pacientes que se tratam com tamoxifeno, seu consumo não é indicado. A genisteína também parece capaz de desmetilar parcialmente alguns micro-RNAs promotores em linhagens de células de câncer de próstata. Outro nutriente que parece exercer efeito inibidor sobre metilação tumoral é o selênio (presente na castanha do Pará) em quantidades moderadas. O Licopeno do tomate também pode desmetilar alguns genes importantes para a gênese do câncer.

A autora conclui que algumas dietas estão mais associadas a alguns tipos de câncer, tais como a dieta ocidental, pobre em fibras, frutas, legumes, verduras e ricas em gordura saturada e câncer de cólon. Essas associações, segundo ela, são um ponto de partida para maiores estudos sobre hábitos alimentares e modificações no epigenoma e suas relações com alguns tipos de câncer.

Para saber mais: Bishop K and Ferguson L. The interaction between epigenetics, nutrition and the development of câncer. Nutrients, March, 2015.